DIYIKOS
(por Juliano Henrique Delphino)
“Não pense que tal pessoa receberá coisa alguma do Senhor, pois tem a mente dividida e é instável em tudo que faz...Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós. Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de mente dividida, purificai os corações. Senti as vossas misérias, e lamentai e chorai; converta-se o vosso riso em pranto, e o vosso gozo em tristeza. Humilhai-vos perante o Senhor, e ele vos exaltará.”
(Tiago 1:7,8 e 4:7-10)
O livro de Tiago está entre os mais controversos dentro do cânon sagrado. Problemas de divergência de autoria, poucas ou escassas citações entre os pais da igreja no início do cristianismo e antagonismo direto com o pensamento paulino estão entre os principais pontos das dificuldades bíblicas que essa carta apresenta.
Deixando de lado essas controvérsias, o fato é que a maior preocupação do autor são com os ensinos éticos da vida cristã, ensinos esses que chegaram a ser confundidos com legalismo. Contudo, bem longe disso, a máxima de Tiago pode ser resumida em um jargão de nossos dias: “o que a gente faz fala muito mais do que a gente fala”. Em suas próprias palavras: “A fé sem obras é morta” (Tiago 2:17)
É contra todo o tipo de demagogia e hipocrisia religiosa que se levanta essa voz quase que solitária. É contra uma religiosidade vazia, sem ação, sem praxis, sem transformação efetiva do caráter e do meio que a cerca que o escritor sagrado se insurge. Contra essa teologia diabólica, libertina, cobiçosa, que faz acepção de pessoas, que não exige mudança de vida, mas exige que Deus seja o “gênio da lâmpada” – um realizador de desejos – e faz de Jesus um tirador de pedidos, à essa, Tiago se opõe com veemência.
Tomando uma postura ofensiva, proativa, resiste com força (antítese) ao Diabo. Lança missivas objetivando destruir toda forma de ética religiosa mundana ameaçadora do verdadeiro evangelho de Cristo e da verdadeira ética cristã.
Esse é o âmago e cerne desta carta.
Já nos primeiros versículos Tiago deixa muito claro que a fonte de todas as distorções e falta de perseverança reside no domínio dos desejos (concupiscências) sobre o homem. É esse governo invertido do aparelho psíquico a raiz do pecado, pois o ser humano quando dominado pelas suas inclinações, sede às tentações mundanas e perverte a ordem natural das coisas tornando-se escravo dos seus desejos.
Tal é a condição do homem natural que o cristão sem firmeza torna-se um homem de “mente dividida”, i.e., no grego dίψυχος (dί– duas +ψυχος – mente, alma, ou ainda sopro no sentido de vida), literalmente duas vidas (vida dupla), duas mentes ou duas almas.
Nas línguas antigas, como é o caso do grego, diferentemente das línguas hodiernas, estritamente superficiais e pragmáticas, as palavras eram carregadas de profundo significado, introduzindo aos textos e aos discursos sentidos complexos em razão dos fatores onomatopeicos e das narrativas (mythos) inerente aos personagens que davam vida à essas.
A polissemia da palavra yice(psiquê) em sua fonte mais remota significava vento ou sopro, no mesmo sentido do hebraico ruach, significando “o sopro que traz a vida”.
Em um segundo momento, na mitologia grega, Psiquê foi a mulher de Eros (o deus cupido, filho de Afrodite). Conta o mito que Eros ao tentar atingir Psiquê com uma de suas flechas foi ele acidentalmente atingido e por ela se apaixonou desesperadamente. O tipo de amor que Eros nutria por Psiquê não era um tipo de amor vulgar (porneía), mas um amor profundo, o mais sublime e elevado amor que um homem pode ter por uma mulher, perdendo apenas pelo amor dos deuses (agapê) – por isso Eros virou uma palavra sinônimo de amor entre homem e mulher.
Eros casa-se com Psiquê impondo a condição de que ela nunca o visse (o seu intuito era que ela se apaixonasse por quem ele era e não por sua beleza). Todavia, instigada pelas suas irmãs por causa de um oráculo que dizia que se tratava de uma monstro, convencem-na de matá-lo decepando lhe a cabeça. Certa noite, munida de uma lâmpada e uma adaga, em sua tentativa, curiosa para ver o semblante, com a luz vê a beleza, e estonteada, deixa cair uma gota de óleo no ombro de Eros que, acordando, ao vê-la com a adaga, enlouquece e foge com profunda tristeza diante da recompensa por sua devoção.
Psiquê se arrepende, e passa o resto de seus dias tentando reconquistar o amor de Eros, que só vem após a sua morte. Ou seja, Psiquê foi errante, foi dúbia, foi vacilante e só encontra repouso no amor eterno após grande sofrimento.
Neste sentido, o uso de Tiago da palavra dipsikos é um recurso estilístico de pleonasmo. Uma alma já denota a história da perda de Psiquê - de seu vacilo. Duas almas, constrói a ideia de uma nova perda! Será que Eros perdoaria Psiquê por uma segunda conspiração?
Transpondo o conceito, esse neologismo de Tiago quer enfatizar que o homem desgraçado pelo pecado, só encontra redenção no amor de Cristo (Efésios 2:4-5 Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvo.)
A alma/mente só encontra repouso/salvação no Senhor Deus, e aquele que uma vez professa a Jesus como Senhor e Salvador e cai em apostasia, é semelhante a Pisiquê que não contente de tentar matar o seu amado uma vez, ao reconquistá-lo, tenta matá-lo novamente – Dipsiquê/ Dipsikos (Hebreus 6:4-6 Ora para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública.).
Não há fé, nem ética que resista a um coração dividido. Se foi assim no tempo de Tiago, muito mais o é nos dias de hoje.
Somos “cristãos” de muitos amores. Crente “Dona Flor”, com seus dois maridos, (tentando amar a Deus e o Diabo ao mesmo tempo). É o famoso cristão mundano, facilmente seduzido pelos prazeres carnais (Tiago 4:4 Adúlteros, vocês não sabem que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus.).
A solução é a purificação do coração (Tiago 4:8b) que se faz através da obediência a Tua Santa Palavra! (Salmo 119:9 Como pode o jovem manter pura a sua conduta? Vivendo de acordo como a sua palavra)
3 comments:
Texto maravilhoso, muito obrigado!
Louvado seja Deus por essa explicação, profunda e relevante. Atingiu o âmago do sentido de uma mente dividida. Obrigado, Deus o abençoe.
Parabéns pelo belo trabalho de pesquisa de algo relevante no discernimento da Palavra de Deus. Obrigado.
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