por Juliano Henrique Delphino
Então os fariseus saíram e começaram a planejar
um meio de enredá-lo em suas próprias palavras. Enviaram-lhe seus
discípulos juntamente com os herodianos que lhe disseram: "Mestre, sabemos
que és íntegro e que ensinas o caminho de Deus conforme a verdade. Tu não te
deixas influenciar por ninguém, porque não te prendes à aparência dos homens.Dize-nos,
pois: Qual é a tua opinião? É certo pagar imposto a César ou não? "Mas
Jesus, percebendo a má intenção deles, perguntou: "Hipócritas! Por que
vocês estão me pondo à prova?
Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto". Eles lhe mostraram um denário,e ele lhes perguntou: "De quem é esta imagem e esta inscrição? ""De César", responderam eles. E ele lhes disse: "Então, dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".
Ao ouvirem isso, eles ficaram admirados; e, deixando-o, retiraram-se.
Mostrem-me a moeda usada para pagar o imposto". Eles lhe mostraram um denário,e ele lhes perguntou: "De quem é esta imagem e esta inscrição? ""De César", responderam eles. E ele lhes disse: "Então, dêem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".
Ao ouvirem isso, eles ficaram admirados; e, deixando-o, retiraram-se.
(Mateus 22:15-22)
INTRODUÇÃO
O maior erro de interpretação do texto
acima é a compreensão das circunstâncias e dos conceitos suscitados à luz dos Estados
Modernos (pós Revolução Francesa), pois: a) o Império Romano não era uma
Monarquia Absolutista; b) Tributo nos tempos de Jesus nada tem a ver com os
tributos no período do Absolutismo e muito menos com os Estados Liberais;
Essa má interpretação leva a
confundir Jesus com um “Iluminista” pregador do “Liberalismo e do Estado Laico”,
o que não tem qualquer ponto de contato com a realidade e significado de sua
mensagem.
Sendo assim, o texto acima deve
ser interpretado à luz de dois pontos cruciais, para que dentro das interpretações
possíveis, possamos acolher a mais verossímil:
·
O Contexto Histórico do Fato Narrado
·
O Sentido Discursivo do Evangelho de Mateus
O CONTEXTO HISTÓRICO
DO FATO NARRADO
O momento de Israel a qual Jesus
exerceu seu ministério terreno é um dos mais difíceis e sombrios da história dos
Hebreus. Após sucessivas invasões de povos estrangeiros, começando pela destruição
do Reino do Norte (Samaria) pelos Assírios e do Reino do Sul (Judá) pelos
Babilônios, vários Impérios tomaram de assalto, submetendo o povo de Deus ao
domínio de nações ímpias. Seguido pelos Medo-Persas, Macedônios, culminando na
dominação pelo mais brutal deles: os Romanos.
O Império Romano vivia de uma
economia tributária, ou seja, a sua subsistência decorria do poderio militar
por meio da expansão de suas fronteiras, invadindo os povos ao redor,
subjugando-os a uma servidão cuja forma de pagamento pela vida e sobrevivência
era a imposição da pena de pesados tributos ao povo derrotado. Portanto, o
tributo surge na história como pena pecuniária imposta ao povo vencido ao povo
vencedor.
Os tributos exigidos eram tão
pesados que levavam o povo dominado a uma condição de grande dificuldade de
subsistência, espalhando pobreza e miséria.
Ora, para um judeu/israelita era inadmissível,
como povo escolhido de Deus, nação sacerdotal, serem dominados por incircuncisos,
idólatras, blasfemos, enfim, por pagãos como os Romanos.
Diante desse caos, há quatro
grandes partidos com visões diferentes sobre a fé judaica e a atitude contra
Roma. De forma resumida:
a) fariseus: na revolta dos Macabeus, um grupo religioso, o hassidim,
que lutaram contra Antíoco Epifânio, buscando suas origens em Esdras, reconstroem
a fé judaica à luz do legalismo, independentemente do Templo, baseado um tradição mítica de que Deus havia
dado, além da Torah Escrita, uma Torah Oral (Mishná) que fora transmitida
intacta por Moisés aos Anciãos (grupo dos setenta), cuja compreensão somente
pode ser realizada pelos Rabinos/Mestres da Lei – uma figura inexistente no Yahwismo,
o qual era centrado em três ofícios sagrados: o Rei, o Sacerdote e o Profeta. Professavam
que a libertação de Israel aconteceria com a chegada iminente do Messias – um descendente
de Davi, líder militar, que libertaria o povo judeu do domínio romano e
instauraria o Império de Israel.
b) saduceus: os saduceus são um grupo de origem imprecisa, composto
de uma elite de descendência sacerdotal, que detinham o Sumo-Sacerdócio, configurava
uma aristocracia que intermediava as questões com Roma. Administravam o Templo
e criam somente na Lei Escrita, negando a existência de Lei Oral e de doutrinas
como a da ressurreição. Subservientes, aceitavam pacificamente o Reinado de Herodes
imposto pelos romanos e eram contra qualquer tipo de rebelião ao poder
dominante;
c) zelotas: ou zelosos, era
um grupo de revoltosos que pregavam uma insurreição contra Roma. De natureza
mais política e menos religiosa, incitavam o povo a uma guerra civil contra os
romanos. Radicais, frequentemente cometiam atentados e rejeitavam a condução
dos outros partidos nas questões da nação, por não admitirem qualquer tipo de
conciliação com os dominadores.
d) essênios: o povo do deserto tem suas origens no período dos Macabeus
(I Macabeus 2:29). Eram ascetas radicais que se recusavam a viver me Jerusalém
pois entendiam que esta estava profanada por conta da ilegitimidade do sacerdócio
exercido, pois como descendentes de Zadoque, e herdeiros do Sumo-Sacerdócio,
viram nos saduceus, também de descendência de outra linhagem sacerdotal, um
bando de usurpadores do cargo a qual não tinham direito. De visão monástica e celibatária,
era um secto de doutrina apocalíptica. Não são mencionados na Bíblia e suas
doutrinas chegaram até nós pelos escritos de Josefo e pela descoberta dos Pergaminhos
do Mar Morto.
O SENTIDO DISCURSIVO DO EVANGELHO DE MATEUS
Um texto não pode ser tomado isoladamente. Todo
discurso é produto de seu contexto social. Para se entender um texto, é
necessário confrontá-lo com seu contexto
Os evangelhos não são uma narrativa de fatos. Apesar
de conterem fatos narrados, os evangelhos são textos de guerra. A palavra de origem grega é a tradução do
hebraico basar que significa “boas
novas de uma vitória militar”
Há uma clara relação com badar – palavra, com o
relatório de Num 13:26. Mas basar
também significa fresco, carne fresca. Evangelho
está diretamente relacionado às boas novas sobre o que foi visto na terra
prometida, mas numa visão de triunfo, como a percepção de Josué e Caleb.
Em Naum 1:15 “Vejam
sobre os montes os pés do que anunciam as boas notícias e proclamam a paz.”
Portanto, os Evangelhos são textos que narram o
triunfo de Deus sobre os inimigos de seu povo no processo de sua libertação.
Narram fatos e elementos da vitória ou que nos asseguram a vitória diante de
uma objeção levantada pelos derrotados ou por aqueles que se opõe a entrar na
terra prometida
Os elementos históricos são
subjacentes, pois fatos são incontroversos, o ponto central é o significado
desses fatos. É necessário entender o seu sentido discursivo para compreender a
sua mensagem
Sendo assim, qual o sentido
discursivo dos evangelhos?
“É reafirmar ou explicar as
consequências reais e espirituais do evento Jesus de Nazaré as quais estavam
sendo negadas!”
Abaixo segue um quadro resumo do
Sentido Discursivo dos quatro evangelhos canônicos:
EVANGELHO
|
SENTIDO
DISCURSIVO
|
Mateus
|
Evangelho
apologético: é resposta às objeções dos saduceus, fariseus, zelotas etc
|
Marcos
|
Evangelho
escatológico: É a consumação apocalíptica das profecias do Velho Testamento.
Jesus é o Filho do Homem
|
Lucas
|
Evangelho
catequético: é um evangelho didático e doutrinário cuja proposta é ensinar “o
Caminho”.
|
João
|
Evangelho ontológico:
demonstra a natureza divina (Filho de Deus) do homem Jesus de Nazaré
|
Com esses dois pontos cruciais
elucidados, agora fica mais tranquilo compreender o texto de Mateus
OS FARISEUS PROVOCAM JESUS SOBRE ELE SER O MESSIAS
A pergunta dos fariseus é uma
clara provocação, um questionamento malicioso, sobre a sua messianidade. O objetivo
era o de expor Jesus colocando-o em uma situação perigosa para ter um motivo
para o acusar e o matar.
Na concepção farisaica o Messias é
um descendente de David que iria comandar uma grande guerra contra os romanos.
Era um “libertador”, escolhido por Deus, que iria derrubar Roma e instaurar o Reino
de Israel, com feições de Império de Israel, que seria eterno, ou seja, Israel
governaria o mundo para sempre, com uma Dinastia Davídica ininterrupta.
Ora, quando questionam sobre a licitude
de se pagar tributo à Roma, mais precisamente a César, que era um título não só
de poder mas de divindade dentro do culto ao imperador romano, estão
perguntando a Jesus: já que você é o Messias, o Rei-General que derrubará Roma,
não é agora que você vai manifestar o Reino de Israel derrubando o Império
Romano, destruindo o blasfemo César e nos libertando do tributo? Porque é Israel
que tem de pagar tributo à Roma ou é Roma é quem tem de pagar tributo a Israel?
A pergunta é uma clara armadilha!
Se Jesus dissesse sim, eles levariam aos romanos e o acusariam de sedição e
insurreição. Se dissesse não, eles os “desmascarariam” ao povo afirmando que
ele não era o Messias, pois estava categoricamente fugindo do papel crucial do
Messias segundo a doutrina dos fariseus, reconhecendo César como “deus”, e aproveitariam
para acusa-lo de herege e de crime contra o Judaísmo.
O REINO DE DEUS E A VERDADEIRA MISSÃO DO MESSIAS
A resposta de Jesus é uma resposta
genial! Ao dizer dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, além de
sair da encruzilhada, Jesus está derrubando o conceito messiânico farisaico
construído em cima de uma concepção mundana de sistema de dominação. A expectativa
farisaica era de um “Messias Imperador”! A construção do Reino de Israel na teologia
farisaica era de um Messias análogo a César, em um Reino/Império similar ao
Romano, que iria massacrar todos os gentios e subjuga-los ao governo de Israel.
Mas a resposta de Jesus é uma
resposta que separa as coisas profanas das sagradas. A ideia de Messias deles é
uma ideia profana, mundana, de uma leitura míope das Escrituras no sentido de
poder político. Mas ao dizer dar a Deus o que é de Deus, Jesus novamente enfatiza
que Ele é muito mais do que o Messias! Simplesmente ele não era somente um
descendente de Davi, Ele é a “Raiz” de Davi, o Filho do Homem, o Profeta
Escatológico, o Servo-Sofredor, o Sumo-Sacerdote, o Filho de Deus que veio para
restaurar todas as coisas, a saber, salvar a humanidade e trazer a Vida Eterna
desfazendo a obra do pecado e derrotando o derradeiro inimigo: a morte!
A IGREJA E SEU PAPEL DE DERRUBADA DOS IMPÉRIOS
A mensagem é de um chamado de derrubada
dos “Impérios” constituídos e sistemas pecaminosos de exploração do homem pelo
próprio homem por meio da submissão ao Reino de Deus, cujas armas não são as
desse mundo, mas onde todos são iguais e Deus é sobre todos. Através do amor,
cuja maior expressão é o sacrifício de Cristo na Cruz do Calvário, todos os
principados, potestades e dominadores do ar são derrubados (Efésios 6:12)!
Portanto, esse texto não fala
imposto ou tributo, mas fala da necessidade da igreja ser igreja e derrubar os sistemas
e valores vigentes por meio da pregação do Evangelho de Cristo!
É papel da igreja se opor a toda
forma de injustiça, corrupção, perversão, miséria, violência e deturpação
incitada, mantida e praticada pelo Estado, não importando qual o modelo! A
igreja jamais pode ser conivente ou subserviente aos poderes constituídos, mas
deve exercer seu papel profético e ser a consciência e a ministra da Salvação
para uma sociedade doente e decadente!
O preço por dar a Deus o que é de
Deus é o risco de ser perseguida e de sofrermos o que sofreu João Batista por
não se acovardar e denunciar o pecado de Herodes.
Mas a questão é: qual igreja nós
somos? A de Cristo ou a de César?
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